Dimas

Matéria publicada no Jornal Mundo Espírita - abril/2005

 

Seu nome era Dimas. Sentenciado, aguardava a execução, na prisão. Graças ao sumário e vergonhoso julgamento de Jesus de Nazaré, a execução foi adiantada, eis que tudo deveria acontecer antes da Páscoa judaica.

 

Arrancado da prisão, junto a Gestas, companheiro de loucuras e de cela, inicia a grande marcha. Grande, não pela extensão, pois que do Pretório de Pilatos à colina do Calvário vai menos de um quilômetro. Grande, pelo seu significado.

 

Dimas contempla maravilhado a Jesus. Ele dormiu à noite, na prisão. Também foi alimentado e não tem sede.


O homem de Nazaré, contudo, está fraco. Perdeu muito sangue e no Seu rosto ainda escorrem gotas vermelhas, saindo das feridas provocadas pela coroa de espinhos.

 

É habitual, entre os criminosos autênticos que, em registrando prisioneiros inocentes entre eles, dêem mostras de delicadeza, de compaixão e de estima, algo semelhante a um sentimento de respeito e proteção para com quem é vítima da injustiça dos homens.

 

Este sentimento é que deve ter tomado conta de Dimas. Aquele homem, ele já ouvira falar Dele, era alguém que somente semeara Amor em Seu caminho. Como O podiam tratar daquela forma?

 

O Justo carrega a sua cruz. O arrependido também. O primeiro caminha curvado ao peso do madeiro, cambaleando, parando, a respiração opressa e o pulso acelerado. Dimas se indaga o porquê de tanto ódio do populacho que acompanha o triste cortejo.

 

Constata que os soldados de Roma não estão ali para impedir a fuga dos três sentenciados. Encontram-se ali para defender Aquele que segue à frente da multidão que O apupa, grita e gargalha. O centurião dá ordem aos legionários para rodearem a Jesus, a fim de que os mais exaltados não O agridam.

 

Os dois salteadores vão andando, mais atrás. Apesar dos insultos e impropérios que Gestas vai dirigindo aos que deles se aproximam, o povo não o apupa. Tudo é dirigido para Aquele que é considerado o maior celerado: Jesus.


A marcha ascende pelo bairro de Acra. As pessoas olham das janelas, pelas esquinas, pelos terraços. A ladeira começa a ser vencida, depois vem a descida.

 

O lugar do suplício está próximo: uma elevação de terreno calcário, onde uma vegetação mesquinha mal consegue disfarçar a nudez das rochas.

 

Dimas sente o sangue gelar nas veias à perspectiva da morte próxima. Apavora-se, igualmente, ao pensar que o Justo também vai morrer.

 

Ofertam-lhe, como a todos os supliciados, uma taça de narcótico amargoso, a fim de diminuir a sensação da dor. A droga era o sumo das folhas de híssope.

 

Enquanto alguns soldados iniciam a crucificação de Jesus, outros realizam a dos malfeitores. Dimas se debate e convulsiona, em desespero e dor, clamando contra a injustiça. Sua frio e o coração está em disparada.

 

O primeiro prego lhe penetra fundo o pulso. Ele luta desesperadamente por se libertar. Sente vertigens e tudo gira à sua volta.

 

Como o tronco vertical da cruz já estava em pé, por meio de cordas, foi suspensa a barra horizontal com o corpo, e os pés foram nela cravados.O anestésico romano aliviava, mas não extirpava a dor. Dimas se move sem parar e quanto mais se movimenta, mais os pregos roçam as raízes nervosas dos pulsos e dos pés.

 

Ele daria qualquer coisa para sair dali. Se tivesse outra chance, voltaria ao passado e refaria a vida. Seria o mais bem comportado de todos os homens, desde que o liberassem daqueles cravos enterrados em suas carnes.

 

Um letreiro, acima de sua cruz, indicava o motivo pelo qual sofria o suplício. A crucifixão era um suplício que chegava a durar 3 dias. As cruzes eram dispostas em local que pudessem ser vistas por todos, pois o objetivo de Roma era deixar bem claro que aquele seria o destino de todo aquele que ousasse erguer o braço contra a Águia poderosa.

 

Dimas está à direita da cruz de Jesus. Os soldados repartem entre si as vestes dos três homens. Era costume que o sentenciado fosse levado ao local da execução com suas próprias vestes e totalmente despidos, ao serem crucificados.As horas que se seguem são de zombaria e insulto. Toda a pequenez e a ignorância humanas se voltam contra a Luz que morria, sem um queixume.

 

Alguns lhe exigem que desça da cruz e salve a Si mesmo. Outros lhe indagam, entre gargalhadas, onde estão os Seus milagres, onde se encontra todo o Seu poder.

 

Gestas se contorce e cheio de ódio, alia-se aos que O insultam, exclamando:


"Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós que estamos para morrer contigo!"

 

Dimas vira as costas mutiladas de Jesus, quando O despiram. Vira o corpo coberto de hematomas. Viu um homem fraco e debilitado. Mas viu muito mais: Aquele não era um homem comum. Era um rei, cujo reino ultrapassava a compreensão humana.

 

Jesus não emitia uma única queixa, nem revidava nenhum dos insultos. Ao contrário, suplicara: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem...".

 

Aquele Homem era um Rei que venceria a morte. Ele estava caminhando para o Seu reino, invisível, mas real.


Assim, logo responde Dimas a Gestas:


"Tu te encontras às portas da morte e mesmo assim, não te arrependes dos teus erros? Ambos sabemos que merecemos a cruz, porque somos criminosos. Mas este nenhum mal fez."

 

O criminoso parece ser tomado por um clarão de esperança. Volta-se para o Cristo e pede:"Senhor! Lembra-te de mim, quando entrares no teu reino!"

 

Ele sentia a vida se lhe esvair do corpo, mas deseja viver. Viver em outra paisagem. Uma paisagem de flores, onde Jesus é o jardineiro. Deseja ser uma das flores a serem tratadas por quem era capaz de perdoar os que O supliciavam. Deseja adquirir aquela serenidade e paz que manifesta o Homem que se encontra na cruz do meio.

 

A resposta de Jesus foi instantânea. Não foi preciso que Dimas lhe confessasse as mazelas. O Mestre da Vida o acolhe:


"Dimas, na verdade te digo que hoje mesmo estarás comigo no paraíso!"

 

Ao longo dos séculos, as pessoas se têm indagado que Paraíso seria esse. Naturalmente, não o Paraíso das delícias, pois que Dimas tinha um passado a expiar. Desejava se reformular, é isso que o seu pedido exprimia. E Jesus lhe diz que o conseguirá.

 

Não fora Ele mesmo que acenara com a bem-aventurança aos aflitos, porque seriam consolados?

 

Jesus lhe afirmava que, após a morte, o espírito prosseguiria perseguindo a felicidade, numa nova rota, segundo a Lei de Justiça e Amor de nosso Pai.

 

Os condenados agonizam devagar. O peso do corpo distende os tecidos, ampliando os rasgões da carne. O corpo estremece em arrepios. Os dedos se agitam, o tórax se projeta para a frente, salientando os arcos das costelas.

 

Dimas vê Jesus dobrar a cabeça, enterrar o queixo no peito e dizer:


"Tudo está consumado!"

 

Era a hora nona, ou seja, três horas da tarde. Seis horas na cruz e Ele se fora.

 

O suplício de Dimas prossegue.

 

Segundo as leis judaicas, e que o governo romano respeitava, os corpos dos sentenciados não deveriam ficar suspensos no patíbulo durante a grande solenidade pascal, que começava ao pôr do sol da sexta-feira.

 

Por isso, uma embaixada foi ao Pretório rogar a Pilatos que mandasse retirar os corpos dos crucificados. Para os atender, o Procurador da Judéia ordenou que os soldados fossem ao Gólgota, com malhos pesados e quebrassem as pernas aos prisioneiros, apressando-lhes a morte.

 

Assim foi feito aos dois criminosos, Gestas e Dimas. Este, adentrou à Espiritualidade com disposição de retificar os seus erros e, conforme a promessa que Lhe fizera o Cristo, descobriu o Paraíso do desejo do Bem, da ensancha de lutar para ser melhor, até alcançar a Perfeição.


Bibliografia:
01.BÍBLIA, N.T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica, 1966. cap. 27, vers. 38.
02.______. Lucas. Op. cit. cap. 23, vers. 32, 39-43.
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04.CURY, Augusto. A 3ª hora: cuidando de um criminoso e vivendo o maior dos sonhos. In:___.O mestre do amor. São Paulo: Academia de Inteligência, 2002. cap. 8.
05.ROHDEN, Huberto. A crucifixão. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União Cultural. v. II, pt. 3, cap. 188.
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07.SALGADO, Plínio. A grande marcha. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz do Oeste, 1978. pt. 5, cap. LXXIII.
08.______. Consumatum est! Op. cit. pt. 5, cap. LXXV.
09. XAVIER, Francisco Cândido. O bom ladrão. In:___. Boa nova. Pelo espírito Irmão X. 8. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1963. cap. 28.

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