O Livro dos Espíritos - Vianna de Carvalho
Cessaram, por fim, as lutas fratricidas desencadeadas pela Revolução de 1789 e as que o Terror  houvera insculpido em forma de marcas terríveis no organismo da sociedade, abrindo espaço para o vandalismo que pretendera expulsar Deus da França...

Apesar disso, os direitos dos homens surgiram das derrotadas ambições apaixonadas dos grupos hostis, fazendo tremular nos altiplanos do pensamento a mensagem de esperança para as criaturas.

As tubas guerrreiras também silenciaram por um momento, quando o Corso se fez coroar imperador, na Catedral de Notre-Dame, no dia 2 de dezembro de 1804, ao som comovido do coral de duzentas vozes que entoava a música especialmente composta para a festividade à qual comparecera o Papa Pio VII.

O Século das Luzes raiava, então, sob claridades diamantinas, e as hostes do Consolador utilizaram-se da ocasião a fim de que mergulhassem na névoa carnal os Espíritos de escol encarregados de resgatar o progresso da Humanidade e de promover a felicidade dos seres.

Dois meses antes, no silêncio natural que a trégua das belicosidades facultara, reencarnou-se o mártir de Constança, que retornava das cinzas da fogueira hedionda em que tivera o corpo consumido em 1415, para instaurar a Era Nova nas roupagens de Allan Kardec.

Cientistas destinados a desalgemar as pesquisas dos rigores da escravidão religiosa; filósofos designados para ampliar as áreas do pensamento obscurecido pela ignorância; artistas com propósitos de estabelecer o romantismo, e mais tarde quebrarem as frias linhas do rígido academicismo; religiosos enobrecidos pelo exemplo, incumbidos de libertar o Cristianismo das aberrações dogmáticas, fisiologistas e psiquiatras com domínio do conhecimento mais profundo do ser, programados para o desempenho da sua dignificação como da diminuição dos seus sofrimentos; investigadores da vida nas suas várias expressões, com tarefas de decifrar o microcosmo e a vida bacteriana, assim como outros heróis da evolução desceram ao círculo de sombras do mundo para preparar e estabelecer a Nova Era, na qual o pensamento do Cristo penetraria a razão e se firmaria na conduta dos indivíduos, facultando o surgimento de uma ciência de observação cujos paradigmas especiais estabeleceriam uma filosofia de comportamento moral e religioso compatível com o desenvolvimento intelectual do ser humano e da sociedade.

Nesse campo rico de sementes de luz, que germinavam em abençoada seara, Allan Kardec apresentou O Livro dos Espíritos no dia 18 de abril de 1857.

Na Paris de então, quando as ideias surgiam pela alvorada, amadureciam ao meio-dia e feneciam ao entardecer, o conteúdo desse livro magistral fincou bases duradouras e enfrentou os aranzéis costumeiros, permanecendo irretocável pelos tempos do porvir.

Apresentando, por primeira vez, uma fé racional, que pode enfrentar a razão em todas as épocas da Humanidade, portanto, legítima, os seus ensinamentos têm a ver com os mais diferentes ramos da Ciência, propondo uma nobre filosofia espiritualista, rica de otimismo e bem-estar, cujos alicerces fundam-se na ética-moral proposta por Jesus.

Enquanto as desvitalizadas doutrinas religiosas do passado ofereceram seiva ao materialismo que trombeteava as suas vanglórias, embora de curta duração, o Espiritismo veio para iluminar e acalmar as consciências em sombras e tormentos, propondo o modelo do homem de bem, ideal, que se faz construir com os equipamentos do amor, do conhecimento e da experiência em torno da própria imortalidade.

Estudando Deus e o Infinito, a matéria e o Espírito, a Criação, o princípio vital, as causas dos sofrimentos, a encarnação, a desencarnação e a reencarnação, aprofunda análise em torno do intercâmbio espiritual, dos fenômenos que dizem respeito ao sonambulismo e ao êxtase, ao sono e aos sonhos, às Leis que regem a Vida, às esperanças e consolações, revelando-se como a maior síntese do pensamento a respeito do Universo, da vida, dos seres e da sua evolução, causando impacto cultural e firmando novos conceitos nas páginas vivas da História, marco decisivo para a transformação que começou a operar-se no planeta terrestre.

Antes desse livro incomum, obras demarcatórias dos períodos de cultura, ética e civilização abriram espaços especiais para o pensamento.

Reconhecendo-lhes o valor e a oportunidade quando foram apresentadas, O Livro dos Espíritos é a ponte entre o passado e o futuro, num ininterrupto presente no qual o conhecimento em evolução encontra as causas que o explicam nas várias expressões em que se revela.

Avançando com o progresso, suas lições não foram ultrapassadas, antes têm sido confirmadas em profundidade e significado, preenchendo as lacunas existentes a respeito da causalidade do Universo e da Criação.

Linha mestra da Doutrina Espírita, dele se derivam as quatro outras obras que formam o edifício cultural do Espiritismo, tornando-se fonte inexaurível de sabedoria e conforto, dantes jamais encontrada em algum outro conhecido.

Na atualidade, cento e quarenta anos transcorridos*, após acompanhar a evolução da Física Newtoniana para a Nuclear e Quântica; da Biologia para a exuberante Embriogenia; da nascente eletricidade para a Eletrônica; da Química para as extraordinárias análises radioativas; dos fenômenos psíquicos para os parapsicológicos, psicobiofísicos, psicotrônicos e de transcomunicação instrumental; das viagens de tração animal, a motor de explosão, para as conquistas da Astronáutica; do telégrafo a fio para as telecomunicações; do fonógrafo incipiente para as técnicas de digitação, somente têm sido confirmadas suas teses, algumas da quais ínsitas nas suas páginas com admirável antecedência e precisão...

Enfrentando as teorias de Charles Darwin, de Spencer, de Russel Wallace – que se tornou espírita -, de Schopenhauer, de Nietzsche, de Kant, do marxismo, do niilismo, as hecatombes das duas guerras mundiais, a decadência da fé religiosa, tem sustentado o seu arquipélago doutrinário com equilíbrio, deslumbrando as mentes de ontem como as de hoje pela força das suas conceituações e exatidão dos seus postulados, engrandecendo-se mais ainda ao exaltar Jesus como Modelo e Guia da Humanidade, o ser mais perfeito que Deus ofereceu ao homem.

Profundamente agradecido a Allan Kardec, o eminente codificador do Espiritismo, homenageamos O Livro dos Espíritos pelo transcurso do seu centésimo quadragésimo aniversário de publicação, exorando as bênçãos de Deus para que o seu fanal seja alcançado, qual o de construir o homem feliz do futuro, livre da dor e das paixões envilecedoras.


Vianna de Carvalho
Psicografia de Divaldo Pereira Franco,
cap. 8 do livro Novos rumos, ed. LEAL
*mensagem recebida pelo médium no ano de 1997.
Em 24.3.2025

© Federação Espírita do Paraná - 20/11/2014