A amizade

 

Dentre os ensinamentos notáveis de Jesus Cristo, destacamos um que nos chama muito a atenção. Em dado momento, afirmou Ele, o verdadeiro amigo é aquele que dá a sua vida pela vida do amigo.

 

Se levarmos ao pé da letra essa afirmativa de Jesus Cristo, não acharemos amigos na Terra. São raras as criaturas capazes de dar a sua vida pela vida do outro. Isso, em termos literais. Se pensarmos, porém, no sentido figurado dessa imagem, acharemos muitos amigos. Porque dar a vida ao outro não significa propriamente morrer pelo outro. Dar a vida é dedicar-se ao outro. Isso é um trabalho da amizade, é um trabalho dos amigos. Somente os amigos podem se dedicar um ao outro.

 

Muitas vezes encontramos essas amizades tão profundas, tão viscerais, tão importantes na própria família. Costumam ser os melhores amigos dos filhos, os seus pais. A mãe faz de tudo pelos seus filhos, renuncia por eles, dá a vida por eles. Os pais, para os quais não há fim de semana, não há descanso, não há repouso, não há férias, desde que os filhos tenham escola, lazer, comida, roupa, brinquedo. São verdadeiros amigos, mesmo quando os filhos não se dão conta disso e se tornam máquinas de exigência para com seus pais.

 

Esses pais correspondem aos melhores amigos que os filhos têm. Dão-lhes de tudo e dá um prazer muito grande ao filho perceber que seus pais não lhe cobram nada. É muitíssimo importante esse apercebimento de que a amizade é alguma coisa que segue essa trilha, a gratuidade.

 

Por isso a amizade não se cobra, por isso a amizade é espontânea. Ela é forjada em bases de sintonia, de afinidade.

 

Temos amigos dos mais curiosos. Cada qual de nós os tem. Amigos que são religiosos, amigos que são ateus, amigos que são religiosos só de superfície, no fundo não são nada. Amigos que são ateus convictos, outros que são ateus de brincadeirinha. Temos amigos que são falantes, outros quietos. Amigos que são fofos, gordinhos. Outros são magricelas. Temos amigos que são figuras importantes no esporte, nas artes, na política, na vida científica, da cidade, do society. Temos amigos pobrezinhos, do gueto, da favela, do morro, dos lugares pobres.

 

Não importa. Quando nosso coração pulsa de maneira diferente junto deles, eles se tornam nossos amigos, gostamos deles e eles gostam de nós.

 

É tão importante a amizade porque, muitas vezes, o amigo tem conosco maior abertura e nós com ele, do que tem com seus consangüíneos, como nós também, às vezes, temos mais liberdade de tratar assuntos íntimos com os amigos do que com familiares consanguíneos.

 

Por isso a amizade é tão importante. Diante dos amigos, respeito. Não é pelo fato de alguém ser nosso amigo, nossa amiga que nós lhe podemos dizer qualquer coisa, agredi-lo com palavras, com censuras indevidas. Não se justifica.

 

Quanto mais gostamos das pessoas, mais as deveremos respeitar. Podemos até discordar dos pontos de vista dos amigos, mas isso não é motivo para que briguemos, para que nos indisponhamos com eles. Não, não. É importantíssimo que nossos amigos tenham trânsito livre na nossa intimidade como nós queremos transitar livremente junto deles, na intimidade da convivência com eles.

 

É muito importante essa consciência de que o amigo é aquele capaz de dar a sua vida pela vida do outro amigo. Daí, a amizade ser quase irmandade. Uma pessoa que é amiga é uma pessoa irmã.

 

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Essa alma irmã, que se tornou amiga da nossa, merece de nós a fidelidade na amizade. É muito importante sermos amigos fiéis, daqueles que se diz são amigos para toda obra, paus para toda obra, amigos em quaisquer circunstâncias.

 

Encontramos na Terra alguns que são amigos da onça. Só são nossos amigos quando tudo está bem, quando temos dinheiro, quando a casa está farta, quando gastamos com eles, quando lhes prestamos ajuda. Quando as coisas ficam diferentes, quando acaba o dinheiro, quando acaba a fama, quando já não lhes podemos prestar qualquer assistência desaparecem do nosso convívio.

 

Mas temos amigos com os quais fazemos as mesmas coisas. Há amigos que só buscamos quando estamos precisando. Há amigos que só recorremos, só lembramos de lhes telefonar quando as coisas estão difíceis para nós.

 

Num revés da vida, num problema afetivo, conjugal, aí nós os procuramos. Seria tão importante se aprendêssemos a ser fiéis aos nossos amigos e fôssemos amigos deles em quaisquer ocasiões.

 

Do mesmo modo, gostamos dos amigos que nos são amigos em qualquer clima da vida, em qualquer momento do mundo. Ao lado dessa fidelidade ao amigo não há porque desconfiar deles. Se as pessoas são nossas amigas por que desconfiar delas?

 

Amigos verdadeiros. Não confundamos a ideia de amigos com colegas. Na nossa repartição de trabalho, temos muitos colegas que a gente não se visita, não vai à casa deles, eles não vão à nossa casa. São colegas ali do ambiente, do métier profissional.

 

Temos colegas da rua, do campo de futebol, da peleja, da bola, da pelada. Temos colegas de todo o tipo mas não passam de colegas.

 

A amizade pressupõe uma confiança, uma abertura, uma transparência que o coleguismo não importa. É muitíssimo importante que os nossos amigos sejam valorizados por nós. Não nos esqueçamos de que, um dia, Jesus Cristo nos disse, conforme os textos exarados no Evangelho de João: Já não vos chamo de servos, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor. Tenho vos chamado amigos porque tudo quanto aprendi do meu Pai, vos tenho revelado. Notemos bem porque é que Jesus Cristo nos diz que Ele é nosso Amigo: Tudo quanto aprendi do meu Pai vos revelei. Então, o amigo tem esse caráter de abertura, de não esconder do outro, de não mentir para o outro mas de oferecer ao outro a mesa farta da nossa sinceridade, a mesa farta da nossa honestidade.

 

Já não vos chamo servos porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor foi a expressão de Cristo. Tenho vos chamado amigos. Por quê?  Porque tudo quanto aprendi do meu Pai vos tenho revelado. É natural que pensemos que  essa também é uma expressão simbólica porque Cristo não poderia nos ter passado Tudo o que Ele aprendeu do Pai Celeste.

 

Não porque não quisesse mas porque não poderia. Nós não suportaríamos toda a verdade que Cristo aprendeu de Deus, nas limitações em que ainda nos encontramos hoje, mais de dois milênios passados do Seu berço. Imaginemos ao Seu tempo. Éramos ainda muito mais frágeis, intelectualmente, moralmente, emocionalmente. Daí, Ele dizer que tudo quanto o Pai lhe ensinara, Ele nos estava passando. Tudo o que correspondia ao grau de nossa capacidade de assimilação, de aprendizagem.

 

Então, o amigo também tem que ter esse cuidado com seus amigos. Passamos para o amigo todas as coisas que ele suporta, que ele consegue administrar para que não joguemos todo o peso da nossa intimidade, da nossa mentalidade, da nossa vivência sobre ele e ele não suporte e não tenha condições de segurar.

 

A amizade é quase irmandade. Ser amigo é ser fratello, é ser irmão. Por isso, vale a pena ampliarmos o leque de nossa amizade no mundo e diminuir tanto quanto possamos as inimizades, enquanto na Terra.


Transcrição do Programa Vida e Valores, de número 181, apresentado por Raul Teixeira, sob coordenação da Federação Espírita do Paraná.
Programa gravado em setembro de 2008. Exibido pela NET, Canal 20, Curitiba, no dia 03.01.2010.

Disponível no DVD Vida e Valores, v. 5, ed. Fep.

Em 22.03.2010.

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