O livre-arbítrio

 

Às vezes, conversando com pessoas amigas, dizem-me que uma das coisas que elas não conseguem entender, na Lei de Deus, é o livre-arbítrio que Deus nos deu. Porque se Deus não nos houvesse dado o livre-arbítrio, nós não erraríamos, nós faríamos tudo certinho.

 

E óbvio que podemos pensar que se Deus não nos houvesse dado o livre-arbítrio, não seríamos nós que agiríamos, seria Deus agindo sobre nós.

 

Não seríamos esses indivíduos independentes que somos, estaríamos no estágio ainda dos irracionais. Na vida dos irracionais não existe esse nível de livre-arbítrio como encontramos entre os humanos.

 

Os animais têm livre-arbítrio sim, mas, dentro de uma esfera bastante limitada, que é a esfera dos seus instintos.

 

O animal pode decidir se ele quer comer ou se ele não quer comer. Muitas vezes colocamos alimento para ele, ele cheira e vai embora, ele não quer. Outras vezes, não lhe estamos dando alimento e ele salta em nossas mãos para tirar o que carregamos.

 

Ele tem liberdade de deitar, de correr atrás dos carros, atrás de outros animais, de esconder-se, de brincar com os outros animais ou com as criaturas humanas. Então, os animais têm livre-arbítrio. Quando eles não querem, eles rosnam,  eles se recusam, eles se ocultam.

 

Então percebemos que existe, na criatura humana, um nível de discernimento que o irracional não tem.

 

Nós somos chamados de animais racionais por uma peculiaridade que a evolução nos concedeu e que há de conceder a outros seres espirituais que avançam na carreira para Deus.

 

Nós somos capazes de juntar os pensamentos, de relacionar pensamentos e épocas, de tirar ilações sobre esses pensamentos e épocas e isso nos dá o caráter de racionalidade.

 

Nós podemos dizer que, neste ano, nesta época em que estamos, o clima está diferente do mesmo período do ano passado. Relacionamos épocas, relacionamos coisas, o clima.

 

Nós podemos dizer que este ano não comeremos tanto no aniversário do familiar como comemos no ano passado ou poderemos dizer: No próximo ano, eu quererei ser tão feliz como estou sendo neste ano.

 

Vejamos que o ser humano é capaz de correlacionar episódios, de correlacionar coisas, épocas e sacar consequências.

 

Se, no próximo ano chover como choveu agora, teremos uma produção maravilhosa, uma safra excelente. Se, no próximo ano houver seca, perderemos toda a produção.

 

Então, nós vemos que a mente humana é capaz de ir e de vir, de relacionar as épocas, os episódios, os fatos. Os irracionais não, os irracionais agem sempre da mesma maneira.

 

Olhamos a casa do João-de-barro. É sempre construída do mesmo modo. Olhamos como funcionam os cardumes. Sempre do mesmo modo. Como se comportam as matilhas? Do mesmo modo.

 

Daí, então, verificamos que os irracionais são regidos por uma Lei, por uma determinação Divina que os faz agir devidamente.

 

Não se pode dizer que os animais agem corretamente porque este conceito de certo e de errado, de correção, de incorreção, só se dá, só aparece nas criaturas morais e as criaturas morais na Terra, somos nós, os seres humanos.

 

Os animais agem pelo instinto e esse instinto é a inteligência (entre aspas) que a Divindade lhes deu, de que a Divindade os dotou para que eles possam se defender em a natureza, possam se alimentar, reproduzir, viver com a mínima segurança num lugar inóspito, num lugar onde haja predadores.

 

Daí percebermos que temos muita coisa a tirar da nossa liberdade, do nosso livre-arbítrio.

 

Arbítrio significa vontade. Eu tenho um arbítrio. Quando eu exorbito na minha vontade, sou chamado de uma pessoa arbitrária, que eu fiz a minha vontade suplantar as vontades alheias. Serei arbitrário, terei usado mal meu livre-arbítrio.

 

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Enquanto verificamos o uso da nossa vontade, para que não sejamos pessoas arbitrárias, pessoas que impõem a sua vontade aos outros, nos damos conta de que o outro aspecto da expressão há liberdade, tem duas conotações.

 

Poderemos viver uma liberdade social. Eu vou para onde eu quero, eu faço como eu quero, eu moro onde eu gosto e posso pagar.

 

Mas temos uma liberdade interior, que é aquela condição em que eu não me envergonho de mim mesmo, não tenho vergonha dos meus atos. Posso, como lembrou o argentino José Ingenieros, olhar para trás sem ter remorsos. Esse é um estágio de liberdade que deve ser buscado por nós.

 

Muitas vezes, nós blasonamos essa liberdade de que usufruímos, mas somos realmente escravizados aos nossos vícios, às nossas manias, às nossas incapacidades.

 

Quantas são as pessoas que se dizem livres mas não conseguem se libertar, por exemplo, do tabagismo.

 

E porque não conseguem se libertar de cem milímetros King Size, elas não são livres, são escravas do tabaco, escravas do seu vício e, como consequência, dos problemas de toda ordem que a nicotina, que o alcatrão e mais centenas de subprodutos do tabaco são capazes de produzir, até chegarmos ao enfisema pulmonar, aos cânceres e outras coisas.

 

Há outros que afirmam ser livres mas não conseguem se libertar do alcoolismo. O etilismo faz com que sejam pessoas vira-folhas. Quando estão sóbrias agem de um jeito, quando ingerem alcoólicos ficam transtornadas.

 

Elas são livres socialmente para beber mas são escravas da bebida de que se utilizam.

 

Há outros que afirmam ser livres para viver o sexo e o querem cada vez mais liberadamente, mas são incapazes de assumir as responsabilidades decorrentes do uso da sexualidade.

 

Se a companheira, por exemplo, no caso do homem, engravidar, a providência mais fácil será abortar.

 

Muitas vezes a mulher, que se afirma livre na mesma contingência da sexualidade, se se vir grávida, a grande providência será abortar.

 

É obvio que há exceções e exceções notáveis e felizes, indivíduos que assumem as consequências dos seus atos. Mas, muitas vezes complicaram a vida, criaram situações desnecessariamente negativas, complicadoras mesmo para seus passos no mundo.

 

Não foi à toa que Jesus Cristo estabeleceu: Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.

 

Todas as vezes que estivermos lidando com uma verdade qualquer que ela seja, essa verdade tem que ter o poder, o condão de nos libertar de nossas limitações, de nossas dificuldades, de nossas asperezas, de nossos vícios, de todas as danações que nos desregulam a alma.

 

Senão, nós não poderemos dizer que isso seja verdade ou, se for verdade, não conseguimos com ela encontrar a propalada liberdade.

 

O Apóstolo Paulo afirma que onde estiver o Espírito do Senhor, aí estará a liberdade. Onde estiver o Espírito do Senhor.

 

O Espírito do Senhor é essa impulsão da alma, é essa inspiração superior que nos leva a agir no bem, a desejar o bem sob qualquer ângulo em que ele esteja sendo considerado.

 

Por causa disso, onde estivermos vivendo de acordo com as Leis da consciência, fazendo aquilo que a consciência nos recomenda, ainda que não seja o mais agradável socialmente, ainda que disso não conquistemos aplausos do mundo, mas estaremos em paz interior, estaremos livres.

 

Olharemos dentro dos olhos das pessoas sem nos envergonharmos, falaremos de viva voz as coisas, sem nos sentirmos intimidados pela incapacidade moral. Essa é a liberdade de dentro, mais importante para nós do que propriamente a liberdade de fora.

 

Não esqueçamos de que quando Sócrates, o grande filósofo da Grécia, esteve detido até ser condenado a beber cicuta, um dos seus discípulos lamentava o fato de ele estar preso e ele asseverou que não. O corpo estava detido mas sua alma voava através dos grandes céus do pensamento.


Transcrição do Programa Vida e Valores, de número 201, apresentado por Raul Teixeira, sob coordenação da Federação Espírita do Paraná.
Programa gravado em agosto de 2009.
Exibido pela NET, Canal 20, Curitiba, no dia 18.07.2010.

Em 25.4.2022

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