O Apóstolo da Samaria

A obra mediúnica de Francisco Cândido Xavier, o romance que narra a vida do Senador romano Públio Lêntulus, Há dois mil anos, nos contempla com informações preciosas acerca de algumas personalidades que tiveram acesso direto ao Mestre de Nazaré.

Dentre esses, destaca-se um ancião de nome Simeão, natural da Samaria. Beneficiado pelas bênçãos das mãos consoladoras de Jesus, quando Ele por lá transitara, era tio da serva de confiança da esposa do orgulhoso Senador, Ana.

Coração pleno de gratidão, foi até Cafarnaum para ver o Messias. Desejava ouvi-lO, banhando-se da Sua luz.

Sua expressão fisionômica expressava firmeza e doçura, inspirando respeito e, no crepúsculo de um dia claro e quente, às margens do Tiberíades, ele pôde ouvir o Sermão das Bem-aventuranças. Igualmente foi agraciado, como a multidão que ouvia atenta, com pão e peixe multiplicados pelas mãos generosas do Caminho, Verdade e Vida.

Desejoso de receber um roteiro para a entrada no Reino dos Céus, tão anunciado, Simeão aproximou-se de Jesus para lhe indagar do procedimento mais adequado para alcançar o seu objetivo.

Inflamado de amor, expressa a sua vontade de ser um dos escolhidos para ser imolado em nome da Verdade, para ouvir a ternura de Jesus lhe segredar que não tivesse pressa. Em momento oportuno, Simeão haveria de testemunhar de forma sacrificial o seu devotamento.

Na oportunidade em que Jesus vai a Jerusalém para a derradeira Páscoa, apesar da sua idade avançada, o velho patriarca realiza a grande caminhada. Romeiro desassombrado, junto a outros corações permanece estacionado nas cercanias do Monte das Oliveiras.

Quando se consuma a prisão do Amigo, Simeão contempla o martírio que lhe é infligido e, ao perceber inevitável a crucificação, dirige-se à esposa do Senador romano para suplicar o seu patrocínio. Quem sabe, ela poderá intervir junto ao Procurador Pôncio Pilatos?

Tudo se torna vão e nada mais lhe resta se não acompanhar, pelos íngremes caminhos, até à colina do Gólgota, a Luz do Mundo, permanecendo ali durante as horas da Sua agonia e morte.

Cerca de quarenta dias após o infamante episódio, Simeão recebeu em sua casa a sobrinha Ana, acompanhada de sua senhora Lívia e a filha Flávia. Vinham em busca de abrigo e segurança, fugindo à orquestração da maldade.

O ancião erguera, em sua propriedade, uma grande cruz, pesada e tosca e colocara uma mesa ampla, em torno da qual reuniam-se criaturas que vinham lhe ouvir a palavra amiga e confortadora, todas as tardes.

Viúvo, com os filhos casados, residentes em aldeias distantes, ele vivia só. Sempre inspirado, comentava as passagens da Boa Nova que ouvira pessoalmente, desde que ainda não haviam surgidos as anotações iniciais para serem compulsadas.

Do seu olhar profundo e das cãs veneráveis emanavam as doces irradiações da maravilhosa simplicidade do antigo povo hebreu, e a sua palavra, ungida de fé, sabia tocar os corações nas cordas mais sensíveis, quando narrava as ações prodigiosas do Messias de Nazaré.1

Ele tivera o cuidado  de escrever tudo que sabia do Mestre de Nazaré, a fim de melhor recordar, naquelas reuniões humildes. Seis dias decorridos da presença das visitantes em sua casa, o ancião passou a ser tomado de preocupação, sabedor que elas ali haviam comparecido em busca de proteção.

Singulares impressões lhe enchiam o Espírito. Parecia-lhe mesmo que o Mundo Invisível lhe dirigia apelos carinhosos, indefiníveis.

Assim, despertou pela manhã e começou a tomar providências. Algo lhe dizia que precisava proteger aquelas mulheres. Após o almoço, encaminhou-as a uma galeria, à distância de poucos metros de sua residência.

O subterrâneo era conhecido somente por ele e pelos filhos ausentes. Aconselhou-as que ali permanecessem até à noitinha. Alimento e água haviam sido trazidos e o ambiente recebia o ar puro e fresco do vale.

Como poderiam ouvir os rumores da cercania, teriam condições de saber quando e se deveriam deixar o esconderijo.

Em verdade, logo mais, o ancião recebia os soldados, tendo à frente um homem decidido a encontrar o que considerava suas presas. Simeão foi instado a dizer onde elas se encontravam. Furtando-se a tal, e mantendo-se firme em sua posição, granjeou para si a cólera do infeliz lictor.

Amarraram-lhe as mãos, invadiram-lhe a casa e o quintal, encontrando seus pergaminhos e objetos de suas recordações. Tudo foi trazido à sua presença e destruído, entre sarcasmos e ironias.

Como a coragem do Apóstolo não arrefecia, os soldados o amarraram pelo tronco e pelas pernas na base do pesado madeiro e despiram-lhe o dorso para os tormentos do açoite. Quando assim se encontrava, ele viu chegarem aqueles que habitualmente o buscavam para as lições e preces da tarde.

Todos, indagados pela soldadesca, afirmaram não conhecê-lo, o que lhe fez doer profundamente o coração. Recompôs-se, contudo, recordando que o Mestre fora também abandonado na hora extrema. O flagício começou, sem que o ancião deixasse escapar o mais ligeiro gemido.

Da terceira vez que brandiu as tiras de couro, o soldado parou e informou ao líder da escolta que algo o estava perturbando. Uma luz, dizia, no alto do madeiro, lhe paralisava os esforços.

Cheio de ódio, o chefe tomou dos açoites e ele mesmo realizou o suplício. Simeão se contorce em sofrimentos angustiosos. Sente estalarem os ossos envelhecidos, que se quebram. Banhado de suor e sangue, murmura preces, apelos a Jesus para que os tormentos não se prolonguem indefinidamente.

Então, a fronte pende, prenunciando o fim da resistência orgânica. Como, ainda assim, permanece firme em não informar onde se encontravam as suas protegidas, enterram-lhe a lâmina de uma espada no peito.

Ele experimenta a sensação de um instrumento lhe abrindo o peito. Ao mesmo tempo, duas mãos de neve lhe alisam os cabelos embranquecidos pelos setenta anos vividos.

Ouve cânticos esparsos, percebe aves de luz voejando numa paisagem paradisíaca. Recorda-se da Terra Prometida, do Reino do Senhor. Terá aportado ali?

Rememora a Terra, suas últimas preocupações e dores, e uma sensação de cansaço o domina.

Uma voz, que ele reconheceria entre milhares de outras, lhe fala brandamente:

Simeão, chegado é o tempo do repouso!... Descansa agora das mágoas e das dores, porque chegaste ao meu Reino, onde desfrutarás eternamente da misericórdia infinita do Nosso Pai!...

Um bálsamo suave adormentou o seu Espírito exausto e amargurado. O velho servo de Jesus fechou, então, os olhos, placidamente, acariciado por uma entidade angélica que pousou de leve, as mãos translúcidas sobre o seu coração desfalecido.3

O Apóstolo da Samaria tivera seu sacrifício aceito pelo Mestre de Nazaré.

01. XAVIER, Francisco Cândido. As pregações do Tiberíades. In:___. Há dois mil anos. Pelo Espírito Emmanuel. 13. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1977. pt. 1, cap. 7.
02.______. No grande dia do Calvário. Op. cit. pt. 1, cap. 8.
03.______. O Apóstolo da Samaria. Op. cit. pt 1, cap. 10.
04.______. O rapto. Op. cit. pt. 1, cap. 6.
Em 18.2.2016

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