José Petitinga
O sol estava a pino naquele domingo, 2 de dezembro de 1866, quando dona Maria Florentina de Sena tornava-se mãe pela primeira vez, trazendo ao mundo José Florentino de Sena, fruto do seu consórcio com Manoel Antônio de Sena.

O cenário bucólico da Fazenda Sítio da Pedra, à margem direita do Rio Paraguaçu, no então termo de Monte Cruzeiro, Comarca de Amargosa, na Bahia, acompanhou o nascimento daquele que aos onze anos percebe a necessidade da família e começa a trabalhar no comércio da pequena cidade de Nazaré.

De inteligência primorosa, tornou-se notável jornalista, contabilista, orador, poeta e escritor, matemático e filólogo, e suas produções literárias foram publicadas em diversos veículos de comunicação, recebendo elogios de renomados literatos e intelectuais da época: Na Bahia, em conhecimentos de latim, eu, e de português, o Petitinga, declarou oportunamente o médico, político, latinista e orador baiano César Zoma.

Foi ainda cultor da fitoterapia, tendo aprendido o segredo das ervas medicinais com a população ribeirinha do rio São Francisco, colocando seus conhecimentos a serviço da saúde de quantos o procuravam.

A adoção do nome Petitinga, incorporado em cartório ao seu nome de batismo, ocorreu ainda jovem, como jornalista republicano e abolicionista que, para fugir à censura, aos temores dos pais, que desaprovavam a sua audácia de desafiar os poderosos da época, e aos receios do então patrão, que temia represália à sua empresa por manter um funcionário revolucionário, adotou esse pseudônimo.

Seus escritos, fruto da sua incomum cultura geral autodidata, já que a condição econômica da família não lhe permitira cursar a academia, eram aplaudidos por seus pares idealistas e criticados pelos monarquistas e escravagistas, que zombavam dizendo que petitinga – pequeno peixe de água doce – não tinha valor nem como peixe, pois não servia para alimentação devido às pequeníssimas porções.

Entretanto, nada abalava o seu ideal, tal o seu caráter intrépido, o mesmo que pautou sua conduta como espírita a partir de 1887, quando contava vinte e um anos.

À época, trabalhava na cidade de Nazaré das Farinhas, e em viagem de negócios com o colega e amigo Flávio Guedes de Araújo, notando o interesse do companheiro pela leitura, travou-se o seguinte diálogo:

-Perdoe-me, amigo Flávio, mas que livro é este que você lê com tanta atenção?

-Este é O Livro dos Espíritos, trazendo valiosos esclarecimentos sobre a nossa vida de encarnados e desencarnados.

-Mas isso não é coisa para deixar ou tornar os seres malucos?

-Pois você mesmo irá constatar o que digo. Como sentença à sua descrença, você vai ler este livro durante a viagem, e, depois, aceitarei a sua aprovação ou não, a respeito do precioso conteúdo que ele traz.


Aceito o desafio, Petitinga dedicou-se à leitura durante o resto da viagem, que entrou pela madrugada, e, assim como o Sol clareou o dia nascente, a leitura iluminou a consciência e o coração do jovem idealista para sempre.

Emocionado, entregando o livro ao amigo, apenas sussurrou: Era isto que me faltava para entender Deus.

Nascia aí um dos maiores defensores e trabalhadores do Espiritismo no Brasil. Essa convicção o incentivou, tempos depois, à fundação do Grupo Espírita Caridade, na cidade baiana de Juazeiro, para onde se mudou em 1895 ao assumir a função de guarda-livros da Companhia Viação do São Francisco – que fazia a navegação no rio. Lá o Espírito Ignotus revela-se seu guia, através do médium Floris de Campos Neto, ditando belas e incentivadoras mensagens à tarefa que o aguardava.

Transferindo-se para Salvador em dezembro de 1912,  quando assumiu a direção da Companhia União Fabril da Bahia, no novo lar mantém as mesmas atividades do grupo juazeirense, além de aceitar o convite – motivado por sua atuação dinâmica na Doutrina – para participar do Centro Espírita Religião e Ciência, em visível declínio,.

Os esforços de Petitinga foram inócuos para restaurá-lo. A experiência em Juazeiro e a momentânea o levaram a detectar que havia muito personalismo na condução das casas, o que suscitava urgente unificação do Espiritismo baiano e a criação de uma entidade norteadora.

Assim, em 1915, acompanhado de vários irmãos de crença, deu início ao que chamou de reuniões de peregrinação, ocorridas nos centros espíritas da época entre os dias 3 de outubro, em homenagem ao nascimento de Kardec, e 25 de dezembro, quando foi fundada a União Espírita Baiana, que só teria sede própria em 4 de julho de 1920, no Largo do Cruzeiro de São Francisco, Pelourinho, em Salvador.

Hoje a União se transformou na Federação Espírita do Estado da Bahia – FEEB e a sede histórica, no Pelourinho, se denomina justamente de Casa de Petitinga.

Humilde e austero, ganhou respeito e notoriedade na capital baiana até dos adversários do Espiritismo por seus dotes intelectuais – publicou os elogiados livros de poesia Harpejos vespertinos, Madressilvas e Tonadilhas, e foi colaborador assíduo de publicações das cidades baianas de Nazaré, Amargosa, Juazeiro, Salvador e outras – e por seus pendores morais e espirituais.

O apóstolo da unificação teve sete filhos com Francisca Laura de Jesus Petitinga, da qual ficou viúvo em 1903. Três desencarnaram em tenra idade e, quando desposou Maria Luiza Campos, em 11 de fevereiro de 1906, esta assumiu com amor maternal os filhos do seu primeiro casamento, entretanto, não lhe deu novos herdeiros.

Petitinga presidiu a União até a data da sua desencarnação, no dia 25 de março de 1939, por volta das 4h30, após 12 dias no leito depois de mal súbito que o acometeu em pleno trabalho na sede da União Espírita.

O sepultamento foi acompanhado por grande cortejo, formado por vários ônibus, fretados pela Companhia Fabril da Bahia, onde trabalhava, e mereceu registro nos principais periódicos da época, os quais homenageavam o jornalista, poeta, escritor, linguista e emérito espírita, que provocou suspensão do expediente na empresa em que servia.

Por meio de uma médium amiga, Petitinga deu uma comunicação em pleno velório, em sua residência, na Rua do Limoeiro.

Marialva Gomes
Revista Espírita, março/abril 2019, ed. LEAL
Em 29.4.2019.

© Federação Espírita do Paraná - 20/11/2014